sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O CORVO

https://soundcloud.com/fernanda-lyra-1/o-corvo-fernanda-lyra-pedro/

(No improviso de uma canção, eis que surge esta letra).



Um dia, um homem
com um chapéu de palha e um corvo nos ombros
Sorriu, mas não conseguia rir

O Corvo pode agourar
O corvo voando pelo luar
O soturno caminhar

Eu caminho sozinho e a estrada parece falar
Eu não tenho destino, eu não tenho lugar
Vou encostar sobre a pedra, colocar um chapéu
Apagar a ideia

Eu vi um corvo levar a morte de um lar ao alvorecer
Eu vi um bebê cair e morrer, sem respirar, pouco antes de entender
Eu vi nesse lugar um corvo levar, gente além de mim, de você
Levar além de um portão, mas ninguém conseguia ver.

Encostado no chão, eu vi ele levar, eu vivi em minha solidão
Na morada de um sem lar, sem entrada para além do portão

"O velho de olhos, olhos virados e chapéu de palha"

Sem saber se estou morto, me encosto abaixo das asas do corvo
Nas asas do corvo que carrega o morto, que transforma o corpo,
Muito além do corvo, assim voa o corvo, assim voa o corvo,
assim leva o corpo, a leva do porto, a leva do porto.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O SÁTIRO



Dentes-de-leão fantasiam
O caminho sem chão
A madrugada dos ecos
da rua em meio-fio
Caminhando em trilha de rio
Em gritos e assovios

Você tirou os óculos
Fitou meus olhos
Fitou os corpos
mortos, soltos
opacos, ocos

Como um Sátiro
tentando a moça
A sucumbir do paraíso
do soluço construído

A cair do afago e do riso
E voltar para a queda
Para o delírio escuro
Em seu universo escondido

Meu nome que nunca é dito
Sem o silêncio e solidão
De que tanto reclama.

Fujo, pois a tua trama
A solidão que lhe engana
Será sempre a única dama
A quem o sátiro realmente ama.

ÚLTIMO

O ÚLTIMO (TRAGO) NÃO

Livre e amarrotada
Sem braços que enlaçam
Sem laços que traçam
Um rastro ao nada
Um mastro em luz baixa

Sem olhares, em suor descamisado
Em fitares e mordidas incompletas

O peito que ainda dói enraizado
O grito que agora é libertado
O cigarro sutilmente tragado
O gosto do mesmo rum amargado

Pelo chão do banheiro
Pelo alto do mundo
O seu cheiro é insulto
Seu desejo exaltado

Os furos no peito, na meia arrastão
Afastados da multidão, sem voz ou violão
Meu beijo finalmente negado, nem mesmo roubado
Pelo velho mesmo modo afastado, deitado no chão
Em meu último, último trago
Em seu suor calado, aprendo finalmente e digo
Não.