Prímulas e Perseidas
Era uma noite de ventania, e uma
madrugada pouco fria ao calor terno de fogueira e cantiga. O leito é a grama de
ribanceira, o telhado é o lumiar de cada estrela em quedas de Perseu em chama N’outro
lodo além da grama, dentre as folhas mais escuras, eis que uma luz intensa
insiste em brilhar, e com flores na cabeça a dama que carrega uma criança em seu
olhar volta e desperta, conseguindo observar cada detalhe que os mais sábios
deixariam passar por perder os olhos infantes.
Eis que um lenhador de coração calejado como madeira resolve soltar a
criança em seus fundos olhares ao contar sobre as moedas enterradas para o
guardião da porta na árvore, guardando em seu interior o mais sublime
conhecimento sobre a porta por trás de cada árvore, e sobre cada um dos que as deveriam guardar.
Eis que a dama das flores, com lembranças infantis também despertas,
retoma a lembrança de uma toca onde em outrora aos possíveis duendes, pedras e
flores ela iria deixar. E em um simples recordar, nenhum de pronto percebe que
acordam em si mesmos a percepção de algo que talvez ali sempre o pudesse estar,
e quem sabe os duendes e os guardiões de cada uma das árvores, que outrora lhes
permitiram o observar, novamente despertam.
Dentre a escuridão das árvores e folhas cobertas de sombras, há um
brilho repleto de silhuetas e cachos, e sob a treva da noite uma dama de ouro
dança com seu vestido dourado, e o bailar de sua saia reluzente é
compreendido como um convite para o vento acompanha-la nesta dança entre as árvores.
Eis que a ventania a assobiar, acompanha o ritmo do bailado da dama
dourada, que entre o flutuar d’ouro, paira de tempos em tempos para observá-los.
Não puderam ouvir o som que dela poderia ecoar, mas puderam reproduzir o tom
que ela haveria de deixar com vozes e violão ecoando com o assobio do vento, entre as
folhas da grandiosa árvore na qual de tempos em tempos a dama dourada por trás
viria a se ocultar.
E prontamente, outros
caminhantes chegam ao gramado, mas a dama de flores e o lenhador hipnotizados
pelo brilho dourado e flutuante se impedem de falar a respeito da dama de ouro,
que ainda segue sua dança flutuante, e mesmo sem estar distante, nenhum outro
caminhante teve a audácia de podê-la enxergar.
Entre o brilhar da dama e das estrelas, na virada do luar, entra o sol com
a manhã, e no despertar de outro dia só
sobra a lembrança da presença tão dourada quanto o sol da manhã de uma dama flutuante
entre as árvores. A dama das flores e o lenhador, em busca da dama dourada observam a ausência da árvore
na qual durante a noite ela parecia se ocultar, e como as prímulas de ouro, e como o
guardião de uma árvore na infância, a dama flutuante e dourada não estava a se
esconder, e sim a guardar esta outra árvore, que se oculta na relva da manhã,
pois de fato, tal como a fada, ela pertence a um outro lugar.
Desperta então a vontade de reencontrar, de poder perguntar, e de pronto como as flores em sua cabeça, a dama das flores em seu desejo gritante de fugir
da sua possível humanidade exclama sem falar no eco de seus pensamentos: “Oh flutuante
dama dourada, poderia além dessa árvore
ocultada, uma talvez humana errante perdida em sua caminhada, poderia ela de alguma
maneira encontrar, um caminho embora daqui, para além desse outro lugar?"